domingo, 31 de março de 2013

Eu, tu, ele...

Dividido, repartido, despedaçado, incompleto.
Sem eira e nem beira, indeciso e incerto.
Estático e imóvel, nos olhos nenhuma centelha.
A inércia congela, estilhaça e espelha.

Sem lar, sem par, sem ar.
Inspiro e expiro o nada, devagar.
Trem sem trilho, carro sem rua, avião sem céu.
Conscientes e reclusos, pensamentos viram fel.

Cérebro sem coração, sentimento sem razão.
Dois mundos indiferentes, buscando uma conexão.
Suspiros e devaneios, ansiedades e receios.
Envolvem esses mundos em um longo tiroteio.

Nem homem e nem menino, ninguém quer se responsabilizar.
Todos no mesmo barco, só esperam o Sol chegar.
Mas este não virá sozinho, as nuvens não irão se dissipar.
Assim, homem ou menino, alguém tem de remar.

Mas remar não é tão simples, não há manual de instrução.
Há de se aprender, na marra, a pensar com o coração.
Mas logo lhe aviso que a tarefa é traiçoeira.
Não há um na história, que o tenha feito de primeira.

Mas a hora chega para todos, tão certa quanto a morte.
E coitados são aqueles que esperam se valer da sorte.
Viver é um trabalho, mas trabalhar não é viver.
A linha é bem tênue amigo, devo-lhe dizer.

O bom  de tudo, é que não há errado e nem certo.
Remando para qualquer lado, há sempre terra por perto.
E se o esforço e a dedicação forem bem aplicados,
aí sim, os bons ventos soprarão para os seus lados.

Nós vivemos paralisados, sem saber a razão.
Erramos só pensando, pois a vida é ação.
Não a ação fria, moral e incessante.
E sim a unificada, coletiva e interessante.

Digo-lhe, por fim, que não há receita para a Vida.
Mesmo no caminho mais obscuro, sempre há uma saída.
Por isso, levante  a cabeça  e saia por ai.
Não há ninguém, além de você, que possa te impedir...

sábado, 23 de março de 2013

O Faroleiro

Á minha volta, nada além de um silêncio sepulcral.Ouço minha respiração, lenta e apreensiva, que se condensa ao sair de minha boca. O ar, gelado e indiferente, parece carregar consigo cristais de gelo que apunhalam meus pulmões a cada inspiração. A neblina densa, é quase palpável, e ocupa o horizonte até onde a vista alcança, cobrindo tudo com um branco sinistro, que mal me permite enxergar as próprias mãos, conferindo à noite um ar sobrenatural.

As mãos, rijas e calejadas, reclamam a cada atar e desatar de nós, como se a pele e os músculos não mais existissem, deixando aos ossos todo o trabalho. Os cortes, como que feitos por milhares de pequenas navalhas tornam a abrir a cada movimento, mas já não sangram, como se o precioso líquido não mais corresse em minhas veias. Ainda assim me mantenho resoluto em meu curso, da forma como posso.

O pequeno navio em que me encontro claramente não foi projetado para uma situação dessas. Daí o motivo de tanta apreensão. Seus equipamentos de orientação de nada me servem, pois não me adianta saber onde é o Sul, o Norte, Leste ou Oeste, se não vejo a terra enquanto esta se aproxima perigosamente de mim. O rádio, só transmite estática, não sei se por defeito ou se por não haver mais ninguém ao seu alcance. Contando apenas com meus instintos, sigo em frente, esperando me aproximar logo da terra, onde um farol me guiará de volta à vida.

Noite afora, o espetáculo sinistro se mantém, alheio às minhas expectativas e esperanças, alheio à mim e meu pequeno barco, alheio à tudo e a si mesmo. A neblina parece formar uma tela branca e imaculada, perfeita e infinita no horizonte. E ainda assim pode-se perceber o céu, sem lua e nem estrela, preto como o breu, escondendo minha existência do resto mundo. A apreensão começa a tomar conta, meu destino é cada vez mais incerto, e o Universo parece regojizar da minha impotência, da minha insignificância.

Sinto que a terra perto, mas não vejo sinal de outras embarcações e muito menos a acalentadora luz do farol. Sozinho, derivo à esmo, em direção à minha salvação ou à minha perdição. O receio aumenta a cada minuto que o farol se omite, falhando em me alertar sobre a posição da costa. Terei eu desviado demais do caminho? Estarei eu, rumando para longe da terra? Minha mente começa a ser tomada por desespero.

Aos poucos, o silêncio arrebatador cede lugar a um leve som de arrebentação. Devo estar me aproximando da costa. Finalmente. Aliviado, espero avistar o farol em breve, e assim, logo estarei em segurança. O barulho da arrebentação se intensifica e consigo ver a espuma, formada pelo choque das ondas nos rochedos à minha volta. Devo estar mais perto do que imaginava. E nada do maldito farol aparecer.

De repente, perco meu equilíbrio e acabo arremessado, de cabeça, contra o leme do barco, abrindo um corte profundo. Ao mesmo tempo, um barulho aterrorizante e ensurdecedor indica que meu barco, arremessado contra as pedras, teve seu casco despedaçado, como se tivesse sido alvejado por balas de canhão,ficando preso, apoiado nos rochedos. Enquanto tento me recompor e me refazer do choque, o sangue jorra de minha testa como uma mangueira, ávida para apagar algum incêndio. Tonto e desnorteado, quase não percebo quando uma segunda onda, ainda maior do que a primeira, retira meu barco das pedras e o coloca gentilmente no mar, como um menino que, delicadamente, coloca um barco de papel na água que escorre pela sarjeta após um dia de chuva.

Assim, o desfecho de minha aventura se desenha claramente, e percebo que este culminará infalivelmente em meu fim, meu cessar de ser. Ao ser devolvido ao mar, o barco começa a afundar, e nada mais me resta senão aceitar meu destino e me render à morte. Parado na cabine, nada me passa na cabeça. Nenhum "flash" da minha vida. Não penso em meus erros, em meus acertos e nem nos assuntos não resolvidos. Neste momento derradeiro, o nada, e somente o nada, me vem à mente.

De repente, uma luz, clara como o Sol, me cega momentaneamente. O maldito farol agora está aceso e percebo que não estou muito distante dele. Mas não perto o suficiente para ser salvo. Mas agora que está aceso, vejo-o claramente. A confusão me toma a cabeça e imagino milhares de explicações para os acontecimentos que me levaram àquele momento. Mas nenhuma delas importa. Vou morrer. E é isto.

No topo do farol, surge uma figura improvável. Um homem com uma grossa capa de chuva amarela, acenando para mim. Parecemos estar tão perto, eu e ele, que sinto que quase posso tocá-lo. Aceno de volta, debilmente, por puro reflexo. Com a visão turva e a cabeça latejando, tombo no chão e não consigo mais distinguir água de sangue. Mas me levanto novamente, apoiado no leme e torno a olhar para o homem no farol. E algo me chama a atenção. O homem remove o capuz que lhe cobre o rosto denunciando o que parece ser um sorriso de satisfação, de contentamento.

Lutando contra a inconsciência, percebo que não sofri um acidente. O farol estava desligado propositadamente. Com a água já na altura de meu peito, me indago o motivo de tudo aquilo. Teria eu, feito algum mal para aquele homem, que agora parecia se deleitar com minha morte? Saberia ele quem sou eu? Seria ele apenas um louco, e eu apenas mais uma de suas vítimas? O barco afunda cada vez mais rápido, sendo constantemente testado contra as pedras, por ondas furiosas. Já quase totalmente submerso, com apenas a cabeça para fora d'água, olho uma última vez para o homem do farol. E mesmo fraco, tonto, já entregue à morte, olho dentro dos olhos do faroleiro e lhe marco as feições. E por fim, horrorizado, percebo que o faroleiro, sou eu.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Desabafo

Por que busco fora de mim o que me é de dentro?
Por que busco nos outros o que quero de mim mesmo?
O que espero eu, de mim mesmo?
O que espero eu dos outros?
De que me adianta a aprovação e os incentivos externos,
se, escondido pelas sombras, me traio, me apunhalo?

Dia após dia, nos convencemos a seguir em frente.
Mas para que? Para onde? Para quando? Para quem?
De que me serve isso diante do todo?
De que serve tudo o resto, diante da morte?
Quem mais haveria de ser, depois da morte?

Engraçado pensar que o peso da vida, jaz na morte.

E no final das contas, é simplesmente isso.
Gastamos a Vida temendo a Morte, carregando-a como um peso.
Então, quando morremos, ficamos mais leves. Será?

Será um alívio o cessar do ser?
Será confortante o último suspiro?
A libertação do peso?
Mesmo que assim seja,
de que me serve ser leve, se eu não mais for?

Não desejo a morte. Muito pelo contrário. Nada mais lindo do que a vida.
Em qualquer circunstância ela nos encontra, nos renova a esperança.

O que há de se fazer na vida, além de vivê-la?
Não é este nosso único objetivo? 
Ser vivo enquanto vivo pudermos ser?
Aproveitar o que puder, até que o plano imutável,
o final derradeiro, o nada infalível, estático e inevitável venha lhe chamar, lhe clamar
 E, se você der sorte, quem sabe até lhe aclamar.

Por que então temer a morte?  Receá-la? Odiá-la? Amaldiçoá-la?
Se ela é inevitável, por que sequer considerá-lá?
Saiba que ela estará lá para ver seu último dia, mas some dias no caminho, antes de abraçá-lá.
Sem ela, qual a real motivação para vivermos de verdade?


De que nos adianta planos e sonhos adiados, não realizados, esquecidos?
Que nos frustram dia a dia? Minam vontade e energia?
Que nos pegam pela mão e nos casam com o conformismo tedioso da rotina, nos matando devagar?
Planos que dia após dia, nos distanciam de nós mesmos e nos aproximam do "zelador" do fim, que, chegada a hora, finalmente baixará as cortinas do palco, e as palmas não ecoarão...

Quem é este personagem, que desvia nossa atenção da estrada de tijolos de ouro?

Que nos divide e nos esquarteja minuciosamente, diminuindo nossa existência?
Que nos afasta de nós mesmos e dos outros a uma distância irreal e assustadora, até que nos reste apenas beijar sua mão e admirar seu espetáculo, sozinho, em silêncio.

Quem mais senão nós mesmos?

Quem se destrói e se constrói constantemente?
Quem se sabota e se ajuda?
Nós.
Esses seres ridículos, patéticos, ínfimos, mortais, megalomaníacos e incoerentes.

Nada realmente é, perante a mim, perante a ti, perante a tudo.

Divago de mim mesmo, pois para cada ideia inovadora, cada sonho alegre e promissor, Eu me revelo.
Avassalador, assustador, dominador, incontrolável, censurador.

Se eu ao menos pudesse controlar isso, controlar a mim.

Se fizesse um pacto comigo, algo que me tornasse único como "Yang & Ying."
Torná-lo-ia em meu parceiro, amigo, cúmplice, aliado.

Assim, verdadeiramente, poderíamos os dois, ser apenas um.

Na plenitude do ser, na imensidão do saber, na desnecessidade do ter.
Quem sabe, liberado de sua agonia, de nossa agonia, alimentados da angústia,
juntaríamos ele e eu, os nobres, os justos, os pobres, os loucos, os bobos e os felizes.

Um Nobre.
O que seria um "nobre" afinal? Um pobre de alma?

E um justo, e o que este defende? A si próprio? A sua família? Aos indefesos?
A justiça é cega e subjuga a todos, com valores "arbitrários", partidários.
Valores que insistimos em impor sobre os que são diferentes do "aceitável".
Dos que se desviam do cidadão "médio".
Pois somos nós, os detentores do conhecimento "humanitário",
do conhecimento comunitário, do conhecimento.

Nós somos o conhecimento totalitário. 

E somos também a arma que impõe a tal "justiça".
E para isso temos o pleno preparo,
os aparatos para discernir e aplicar o errado e o certo.
Certo?
Será?

Dentro de mim, a melancolia da impotência me congela, me esconde e me desculpa.

Desculpa? Não sei.
Sei que sou apenas um só, dividido entre muitos, entre vários.

Sou muitos e sou pouco.

Incompleto, incerto, inconstante, incoerente, carente.
Carente de mim. Carente para mim. Carente para ti. Carente para todos.

Então, como podemos eu, sendo apenas alguns, na vida, além da vida, viver?

Assim, a fidelidade que tenho para comigo de nada vale. Pois me traio de novo e de novo.
Escondo-me de mim mesmo atrás de máscaras com meu semblante.
Me traio quando convém e me engano como ninguém.
Culpo a tudo e culpo a nada.

Escondido em minha revolta, fico quieto e fecho meus olhos.

Mas até quando?
Quem nunca se absteve de solidarizar com algum desconhecido por vergonha?
Quem já não olhou nos olhos de um estranho, e baixou a cabeça ao invés de lhe sorrir e desejar bom dia? Quem nunca deixou de fechar outro carro no trânsito por pura birra?
Quem somos nós a quem chamamos de sociedade?
Quem somos nós na dentro da sociedade?
Que sociedade nós temos se nem a nós mesmos conhecemos?

quinta-feira, 21 de março de 2013

Viver

Viver.....O que é viver afinal?
Existe resposta real?
Aceita por todo e qualquer ser racional?
Não.
Viver é abdicar da Vida, se jogar de cabeça e sentir a descida.
Viver é sentir o caminho.
Coração, estômago e mente.
Viver é comunicação, interação.
Viver é se relacionar, se conhecer, se compadecer.
Viver é aprender, compreender, estender, entender.
Entender.... Entender é respeitar, é aceitar, é trocar.
Trocar... É crescer, se doar, mudar, conhecer, viajar.
Viajar é se exteriorizar, é se libertar, relaxar, sentir, sorrir.
E sorrir, bem, sorrir é viver.

Comunique-se, pois é nos outros que nos encontramos.
Relacione-se, pois sozinhos nada somos, nada mudamos.
Conheça-se, a ti, dentro do Universo, pois este é enorme e cheio de possibilidades, infinito.
Aprenda, pois.
Respeite.
Entenda.
Troque, cresça, sofra, viaje, exteriorize, liberte, relaxe, sorria.
Viva!

quarta-feira, 20 de março de 2013

Sentimentos


E dentro da minha loucura me fecho, recluso, indeciso e confuso.....
Sóbrio e consciente de tal, mas abstenho de tomar uma ação real...
Nada faço, não quero mais pensar....
Minha mente nada me diz e minhas ações não mais me movem....
Quem sou eu, que deveria ser mais do que tudo, mas muito menos que isso?
À que me redimo, quando expansivo, explodo?
E quando me explodo, me implodo, me estorvo, me morro.
Mas me iludi, explodi, morri. Nada.
Acordo de novo, em meu eterno engodo.
Estou eu sozinho no mundo ou sou um bando comigo?
Estou nada e estou todo. Sequer estou.
Não sei, tenho medo de saber.
Como é dolorosamente magnífico o ser.
Ser...se só o ser me bastasse, eu já o seria. E me bastaria.
Mas nada basta, nada termina...
Fases e más fases do meu eu incompleto.
Fases e más fases do que se espera,
um nada ou um tudo, incerto.
Fases...Etapas...Novas....Velhas....Iguais....
Tudo muda nessa vida estática, plástica, dura.
Vida essa que passa apática à tudo e a todos.
Apática a mim, cujo âmago nada faz senão devolver,
simpaticamente, a apatia e a indiferença do ser pelo ser.
Do ser pelo ter, do ter para ser.
Do sentir em não ter. Do ter sem sentir.
De não querer ter. De não querer sentir. De ter.
Do simples desejo do ser...
Temendo sentir, sonhando em viver.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Palavras

Em rimas desconexas e versos sem fim.
Palavras perdem o sentido ao sair de mim.
Eu, que não penso o que sinto,
Mas que sinto o que penso.
Eu, que não escrevo o que leio,
Nem leio o que escrevo.

Ainda assim, lá se vão elas.
Independentes, inseguras, coesas.
Pequenas e estranhas criaturas,
Expostas em um circo de horrores.
Na sequência designada,
Na hora certa, na errada.

E o que dizem estas palavras?
O que sabem estas palavras?
Sentem, as palavras, o que sentimos ao pronunciá-las?
Pensam, as palavras, no peso que é enunciá-las?

Não.

Como podem então as palavras
Traduzirem o que sinto e o que penso?
Como pode a fala misturar mente e corpo,
Sem nos tornar a todos loucos?

Palavras são conexão, criação e reflexão.
São ligação, ordenação e coração.
Palavras não são o que são,
Mas transmitem a noção do que pretendem ser.

Palavras não traduzem, codificam.
E quem mais tem meu código além de mim?
E que códigos tenho, eu além do meu?
Que pode então alguém dizer de mim,
Quando nada posso dizer do outro?

Nada.

E mesmo assim palavras são escritas.
São jogadas, são lidas, dadas, recicladas, faladas.
E o que deveriam ser se perde no ar,
E o que pretendiam ser não mais o são.
São ainda para mim. Ou não. Não mais.
Quando saem de mim, as palavras já não são mais minhas...