domingo, 22 de abril de 2012

Tempos Modernos

O maior prédio da cidade. No último andar. No maior escritório, a janela panorâmica vai do chão ao teto, de uma parede à outra. 
Quase se vê a cidade inteira, ou pelo menos o mar de arranha-céus até aonde a vista alcança e a fumaça permite. 
O olhar, fixo em um dos poucos pontos onde ainda se pode enxergar o horizonte. 
O corpo, sentado na cadeira de couro, de costas para a mesa, lotada de papéis, onde uma campainha toca, incessantemente: BEEP, BEEP!!.....Inaudível. 
O terno, justo e quente, compensa o ar condicionado, sempre frio e alheio a todo o resto. 
A gravata aperta-lhe o pescoço, chegando a quase lhe faltar ar, lembrando-o do trabalho a ser feito. 
Os sapatos, impecáveis e imponentes, relembra aos outros quem é o chefe, pois quando estes se olham no espelho, veem Louis Vuitton gravado em suas testas. 
A mente, viaja para longe, sem jatos particulares e nem helicópteros. Para onde o cheiro de orvalho na grama fresca se mistura ao odor característico de esterco. 
Os olhos fechados ajudam a captar o perfume sutil e inebriante da liberdade, do nada. 
Ao fundo, um som de cascos de cavalo se aproxima e se mistura ao farfalhar de folhas, ao zumbido de abelhas e ao canto dos pássaros. 
No céu, o Sol, eterno, viaja descendo em direção ao horizonte, como que fugindo do calor frio da Lua, que o persegue de forma obsessiva, quase religiosa e desesperada, mas sempre um passo atrás. 
O som dos cascos agora se sobrepõe aos demais: 
- Vem menino, a janta está servida.
 - Já vou, só vou voar mais um pouco. - diz o menino, enquanto uma leve brisa lhe beija a face. 
Um sorriso quase involuntário, cúmplice, lhe brota nos lábios. Um frio na barriga lhe dá a impressão de estar em queda, livre. 
A completa e total certeza do nada lhe toma a mente por um breve momento, tudo é preto, tudo é branco e tudo é nada. 
O coração palpita, cada vez mais acelerado, cada vez mais pesado: TUM, TUM!! TUM, TUM!! BEEP, BEEP!! BEEP, BEEP!! 
De repente, corpo e mente são um só, mais uma vez. 
Talvez mais corpo do que mente. 
Talvez só um corpo que mente. 
Mente para si, mente sobre si, mente em sua mente. 
O ar frio o afeta, a gravata lhe aperta o pescoço, e a consciência, por pouco esquecida, separada da existência, desperta. 
O show tem que continuar, já não há mais tempo para sonhos ou devaneios, nem alegria, só receios. 
As cortinas se fecham, bloqueando os poucos raios do Sol que vencem a densa fumaça. 
A luz artificial, fabricada, ilumina a mesa de carvalho, onde pilhas de papéis esperam ansiosamente por rabiscos de uma caneta tinteiro. 
Sem os rabiscos, esses papéis nada valem, nada são além de lixo, num mundo onde o homem não mais é criança, num mundo onde a janta não será servida se os papéis não forem assinados pelo menino que não voa mais...

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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    1. Não fui eu que removi, e visto que sou o único administrador desse blog, que eu saiba, acho estranha essa história...

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  2. Roda Morta (reflexões de um executivo)
    Sérgio Sampaio
    O triste nisso tudo é tudo isso
    Quer dizer, tirando nada, só me resta o compromisso
    Com os dentes cariados da alegria
    Com o desgosto e a agonia da manada dos normais.
    O triste em tudo isso é isso tudo
    A sordidez do conteúdo desses dias maquinais
    E as máquinas cavando um poço fundo entre os braçais,
    eu mesmo e o mundo dos salões coloniais.
    Colônias de abutres colunáveis
    Gaviões bem sociáveis vomitando entre os cristais
    E as cristas desses galos de brinquedo
    Cuja covardia e medo dão ao sol um tom lilás.
    Eu vejo um mofo verde no meu fraque
    E as moscas mortas no conhaque que eu herdei dos ancestrais
    E as hordas de demônios quando eu durmo
    Infestando o horror noturno dos meu sonhos infernais.
    Eu sei que quando acordo eu visto a cara falsa e infame
    como a tara do mais vil dentre os mortais
    E morro quando adentro o gabinete
    Onde o sócio o e o alcaguete não me deixam nunca em paz
    O triste em tudo isso é que eu sei disso
    Eu vivo disso e além disso
    Eu quero sempre mais e mais.
    (2x)
    mais e mais

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    1. Mas será que isso é tudo? Tudo mesmo?
      Será que sigo mudo entre os imortais?
      Será que sou profano, leviano, me engano e nada mais?
      Talvez apenas rume à esmo, sendo um mais do mesmo, que um dia jaz.
      Mas ainda há tempo. Sempre há tempo.
      O que por si só, é uma ironia contumaz.
      Como pode haver tempo, se a cada dia ele se desfaz?
      Que Vida mais agressiva, a da contagem regressiva.
      Que tudo se perde, tudo se mede, e o tempo se retrai.
      Talvez seja apenas a perspectiva, uma visão negativa, que foi concebida anos atrás.
      Mas se a história não virar memória, não haverá futuro, e o tempo não será Paz.
      E o presente, com tanto significado diferente, será exilado e ausente.
      Uma palavra vazia e inconsequente, proferida de forma descrente, sem força latente.
      E isso não se pode permitir.
      Há de se sonhar, mas há de se agir.
      Há de se brigar, e há de se admitir.
      Há de se exaltar, e há de se assumir.
      Erros e acertos, qualidades e defeitos, rejeitos e respeitos.
      Há de se pensar.
      E repensar.
      E atravessar o mar.
      O mar de dúvidas, o mar de súplicas, o mar do tempo.
      Remada a remada, há de se atravessar o mar. Pois ainda há quem valha salvar. E sempre haverá.
      E assim será.

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