quarta-feira, 16 de maio de 2012

O Matador

    O barulho, ensurdecedor como se o Olodum tocasse dentro de sua cabeça, acompanhado pelo ACDC com as caixas de som no máximo. Ele nada ouve. A multidão à sua volta agita os braços, pula, faz o chão tremer como se uma Legião Romana se aproximasse para tomar o Coliseu. Ele nada sente. Ele nada vê. Ele nada pensa. Em sua mente, o mais completo vazio, zen, absorto em pensar em nada, em abstrair tudo. 
    Três passos o separam de seu destino, consagração ou condenação. Três passos. Nada mais. A pressão é enorme, não existe treino para isso. Ou se esvazia a cabeça, ou ela é esmagada como uma latinha no andar térreo de um prédio a ser implodido. Ele inspira e expira...inspira e expira. Corpo e mente precisam ser um. De forma pausada e ritmada tenta recobrar o fôlego e retomar o controle total de si, desde o dedão do pé até o último fio de cabelo. 
    O momento, a pausa, se prolongam. O nervosismo, a tensão e a ansiedade aumentam a cada segundo. Mas não para Ele. Ele sabe exatamente o que fazer depois dos três e derradeiros passos. Afinal, se preparou, treinou e sonhou a vida toda para estar ali, naquele momento.
    Com calma, enquanto a multidão se empurra, se esmaga e se esgoela, ele dá o primeiro passo para frente, adquirindo ritmo, quase como numa dança, para que o segundo flua suave como o primeiro, abrindo caminho para que o terceiro e mais importante passo seja dado de forma perfeita, exata. Pé direito firmado no chão, o corpo se arqueia levemente e se inclina para a direita. O movimento seguinte segue de forma natural, quase inconsciente, como se cada músculo, cada tendão, cada célula de seu corpo soubesse exatamente o seu papel.
    Nesse momento a multidão se cala, imóvel, estática. É a foto mais real que já existiu, mas que não dura mais do que um segundo. Em um movimento rápido, o pé esquerdo se projeta para frente e tudo o que se ouve é: TUM!! TSSCCHH!! 
    No ângulo, indefensável, sem chance para o goleiro, que mal sai na foto. A bola roça na rede, levando a multidão ao delírio, ao êxtase total, e Ele aos céus, como se nada mais existisse, nada mais importasse. Mais um número para suas estatísticas, mas não um gol qualquer. 
    Agora Ele sente o chão tremer, mas não sabe se é por causa da multidão se projetando no ar, ensandecida, tentando levar o estádio abaixo, ou se é por causa das pernas, agora bambas, entregues à exaustão. Agora Ele ouve tudo: gritos, cornetas, rojões e buzinas que explodem em uma felicidade indescritível, ensurdecedora. Ele ouve tudo, mas não escuta nada além de duas palavras, que percorrem todo o estádio, entoadas de forma uníssona: É Campeão!!!!!!! É Campeão!!!!

Um comentário:

  1. FOOOOODAA!! MTo bom! Estava discutindo exatamente isso esse fim de semana!!

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