Quase se vê a cidade inteira, ou pelo menos o mar de arranha-céus até aonde a vista
alcança e a fumaça permite.
O olhar, fixo em um dos poucos pontos onde ainda se pode enxergar o horizonte.
O corpo, sentado na cadeira de couro, de costas para a mesa, lotada de papéis, onde
uma campainha toca, incessantemente: BEEP, BEEP!!.....Inaudível.
O terno, justo e quente, compensa o ar condicionado, sempre frio e alheio a todo o
resto.
A gravata aperta-lhe o pescoço, chegando a quase lhe faltar ar, lembrando-o do
trabalho a ser feito.
Os sapatos, impecáveis e imponentes, relembra aos outros quem é o chefe, pois
quando estes se olham no espelho, veem Louis Vuitton gravado em suas testas.
A mente, viaja para longe, sem jatos particulares e nem helicópteros. Para onde o
cheiro de orvalho na grama fresca se mistura ao odor característico de esterco.
Os olhos fechados ajudam a captar o perfume sutil e inebriante da liberdade, do nada.
Ao fundo, um som de cascos de cavalo se aproxima e se mistura ao farfalhar de folhas,
ao zumbido de abelhas e ao canto dos pássaros.
No céu, o Sol, eterno, viaja descendo em direção ao horizonte, como que fugindo do
calor frio da Lua, que o persegue de forma obsessiva, quase religiosa e desesperada,
mas sempre um passo atrás.
O som dos cascos agora se sobrepõe aos demais:
- Vem menino, a janta está servida.
- Já vou, só vou voar mais um pouco. - diz o menino, enquanto uma leve brisa lhe beija
a face.
Um sorriso quase involuntário, cúmplice, lhe brota nos lábios. Um frio na barriga lhe dá
a impressão de estar em queda, livre.
A completa e total certeza do nada lhe toma a mente por um breve momento, tudo é
preto, tudo é branco e tudo é nada.
O coração palpita, cada vez mais acelerado, cada vez mais pesado: TUM, TUM!! TUM,
TUM!! BEEP, BEEP!! BEEP, BEEP!!
De repente, corpo e mente são um só, mais uma vez.
Talvez mais corpo do que mente.
Talvez só um corpo que mente.
Mente para si, mente sobre si, mente em sua mente.
O ar frio o afeta, a gravata lhe aperta o pescoço, e a consciência, por pouco esquecida,
separada da existência, desperta.
O show tem que continuar, já não há mais tempo para sonhos ou devaneios, nem
alegria, só receios.
As cortinas se fecham, bloqueando os poucos raios do Sol que vencem a densa fumaça.
A luz artificial, fabricada, ilumina a mesa de carvalho, onde pilhas de papéis esperam
ansiosamente por rabiscos de uma caneta tinteiro.
Sem os rabiscos, esses papéis nada valem, nada são além de lixo, num mundo onde o
homem não mais é criança, num mundo onde a janta não será servida se os papéis não
forem assinados pelo menino que não voa mais...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluirNão fui eu que removi, e visto que sou o único administrador desse blog, que eu saiba, acho estranha essa história...
ExcluirRoda Morta (reflexões de um executivo)
ResponderExcluirSérgio Sampaio
O triste nisso tudo é tudo isso
Quer dizer, tirando nada, só me resta o compromisso
Com os dentes cariados da alegria
Com o desgosto e a agonia da manada dos normais.
O triste em tudo isso é isso tudo
A sordidez do conteúdo desses dias maquinais
E as máquinas cavando um poço fundo entre os braçais,
eu mesmo e o mundo dos salões coloniais.
Colônias de abutres colunáveis
Gaviões bem sociáveis vomitando entre os cristais
E as cristas desses galos de brinquedo
Cuja covardia e medo dão ao sol um tom lilás.
Eu vejo um mofo verde no meu fraque
E as moscas mortas no conhaque que eu herdei dos ancestrais
E as hordas de demônios quando eu durmo
Infestando o horror noturno dos meu sonhos infernais.
Eu sei que quando acordo eu visto a cara falsa e infame
como a tara do mais vil dentre os mortais
E morro quando adentro o gabinete
Onde o sócio o e o alcaguete não me deixam nunca em paz
O triste em tudo isso é que eu sei disso
Eu vivo disso e além disso
Eu quero sempre mais e mais.
(2x)
mais e mais
Mas será que isso é tudo? Tudo mesmo?
ExcluirSerá que sigo mudo entre os imortais?
Será que sou profano, leviano, me engano e nada mais?
Talvez apenas rume à esmo, sendo um mais do mesmo, que um dia jaz.
Mas ainda há tempo. Sempre há tempo.
O que por si só, é uma ironia contumaz.
Como pode haver tempo, se a cada dia ele se desfaz?
Que Vida mais agressiva, a da contagem regressiva.
Que tudo se perde, tudo se mede, e o tempo se retrai.
Talvez seja apenas a perspectiva, uma visão negativa, que foi concebida anos atrás.
Mas se a história não virar memória, não haverá futuro, e o tempo não será Paz.
E o presente, com tanto significado diferente, será exilado e ausente.
Uma palavra vazia e inconsequente, proferida de forma descrente, sem força latente.
E isso não se pode permitir.
Há de se sonhar, mas há de se agir.
Há de se brigar, e há de se admitir.
Há de se exaltar, e há de se assumir.
Erros e acertos, qualidades e defeitos, rejeitos e respeitos.
Há de se pensar.
E repensar.
E atravessar o mar.
O mar de dúvidas, o mar de súplicas, o mar do tempo.
Remada a remada, há de se atravessar o mar. Pois ainda há quem valha salvar. E sempre haverá.
E assim será.